Conversas sobre Racismo e Xenofobia.

by Admin
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Conversas sobre Racismo e Xenofobia.

Teresa Pizarro Beleza do Observatório Racismo e Xenofobia considera que o racismo e a xenofobia em Portugal continuam a apresentar dados preocupantes e parecem estar em franco crescimento. Estas palavras foram proferida no primeiro debate “Conversas sobre Racismo e Xenofobia”, promovido pelo Observatório na Universidade Nova, em Lisboa.

A primeira convidada do Observatório para contar excertos da sua própria vivência e também discorrer sobre a eficiência das leis anti-racismo vigentes em Portugal foi Francisca Van-Dúnem, Juíza Conselheira Jubilada e Ministra da Justiça nos XXI e XXII  Governos Constitucionais de Portugal. “Acredito que o que vivi é uma parcela ínfima daquilo que passam as pessoas racializadas na Europa, em particular em Portugal, porque a racialização está indexada a categorias inferiorizantes, a pessoa negra por motivos históricos foi sendo associada a uma ideia de brutalidade animalesca, foi sendo retratada como inapta, incivilizada, idiotas incapaz de se controlar, e por aí. Se não existe nada do ponto de vista científico que valide essa visão, trata-se de uma ideia errada que advém das relações históricas sociais e interpessoais ao longo dos anos".

As pessoas racializadas são frequentemente associadas ao mundo do crime e são-lhes negados lugares que as elevem à nível social. A assimilação de todos estes estereótipos acabou por dominar a cultura popular, “não há racionalidade na discriminação racial, porque é de facto um sistema de crença. A dissolução disso não passa tanto por enfrentar as crenças, mas sim as consequências, que são muito gravosas a nível de como as sociedades se relacionam”, referiu a ex-ministra acrescentado que não podemos ter ilusões à respeito de que, as pessoas não racionalizadas interiorizaram ou interiorizam alguns destes estereótipos. Por exemplo, as anedotas sobre grupos regionais ou étnicos “são absolutamente inaceitáveis para mim, seja sobre negros ou sobre alentejanos”.

Francisca disse estar certa de que, todas as pessoas racializadas têm estórias sobre terem sido alvo de racismo ou xenofobia, e que embora vivencie menos o preconceito, continua vendo a acontecer. Enfatizou por outro lado, a necessidade que algumas pessoas negras sentem em renegar as suas origens e identidade, citando o escritor e psiquiatra Frantz Fanon e a obra “Peles negras máscaras brancas”, na qual aborda processos de despersonalização pelos quais passam negros que renegam a sua raça para demonstrar que não se encaixam nos estereótipos".

Ante a inoperância dos tribunais portugueses ao julgar casos de racismo, a Juíza considerou necessário e urgente que alguma coisa se modifique nas escolas, com medidas afirmativas de descriminação positiva, especialmente nas escolas da magistratura e dos agentes de segurança pública. “A formação anti-racista deve ser prioritária e a fomentação de programas anti-racismo é igualmente essencial e urgente”, afirmou dando como exemplo a criação de um programa denominado: «Crescer e viver em Portugal», “porque ao se ter recusada a nacionalidade aos nascidos em Portugal, deu-se-lhes um sinal poderoso de não pertença, o que gera revolta. Alterar o modo de vida das pessoas representa um salto no sentido da integração e melhoria da sua qualidade de vida”. 

A violência racial está associada a outras formas de violência e existe, na sociedade portuguesa uma sub-representação de pessoas racializadas, “mas não temos dados, é preciso que haja dados”. Para Francisca Van-Dunem, a evolução feita não pode ser ignorada e é preciso analisar o que não funcionou.

Durante o debate a ex-Ministra foi questionada sobre o facto da população prisional em Portugal ser maioritariamente negra e também, em relação à lei, de discriminação racial, que acaba não punindo especificamente a injúria racial, apenas a violência racial a ela associada.

Anizabela Amaral, jurista e activista anti-racismo questionou a Juíza sobre a necessidade de agravar o regime jurídico para que os crimes de ódio racial, no sentido de que venham a ser punidos de forma mais grave, destacando ser imprescindível tipificar o racismo como um crime autónomo. “Não temos em Portugal um tipo de crime que se chame crime de racismo, o que temos é crime de ofensas corporais agravado por racismo, crime de homicídio agravado por racismo, e outros, que permitem o agravamento das penas para crimes praticados por motivação racial.

Anizabel afirma: “Precisamos de legislar a punição de um tipo de crime que seja o racismo por si só. O que temos é um regime que trata o racismo como uma contra-ordenaçação, que é um processo que se instaura quando se trata de um ilícito de menor gravidade, portanto são processos equiparados a crime, mas não são verdadeiros crimes, embora seja possível ocasionarem penas de multa e até de prisão, existe essa diferença, e sabemos que as penas das contra-ordenações são sempre mais baixas”.

Por outro lado a jurista questionou o artigo 240, do Código Penal, criado para punir o discurso de ódio, mas apenas àquele ao qual seja dada alguma publicidade, visibilidade ou divulgação, “porque o artigo diz: quem publicamente divulgar, recorrendo à argumentos racistas…, este artigo exige que haja de antemão uma situação de publicidade, creio que esta legislação foi criada para ataques racistas nas redes sociais, ou em órgãos de comunicação social, portanto em meios suscetíveis de publicidade ou divulgação. Logo não é possível recorrer a esse artigo que pune o discurso de ódio se estivermos perante um ataque ou injúria em espaço privado. As agressões racistas verbais que possamos sofrer no nosso dia a dia, num carro da polícia, nas esquadras, nas escolas, não são suscetíveis de recurso ao artigo 240 do Código Penal. "Não temos na nossa Legislação nenhum artigo que puna a injúria cara a cara, motivada por racismo”.

Anizabela dá ao exemplo do mediático caso que envolveu os filhos de dois atores brasileiros, na Costa da Caparica. “O Presidente Marcelo afirmou: estas situações serão punidas de forma exemplar, mas isso não poderia acontecer, porque não temos o tipo de crime que se chame crime de injúria racial, como existe no Brasil”. A ativista insiste na inexistência de um tipo de crime que se chama racismo e outro que se chama injúria racial, “isto até já está ligeiramente aflorado no Plano Nacional Contra o Racismo, essa discussão está prevista, mas não se fez ainda”.

Para Francisca Van-Dúnem o que existe em termos de Legislação não é tanto insuficiente quanto têm sido as dificuldade na Aplicação da atual Lei, à nível da magistratura.

Mas, segundo Anizabela Amaral, “mesmo que o magistrado queira condenar não pode, mesmo que o Procurador do Ministério Público queira acusar não pode, é obrigado a arquivar estes processos, não é capaz de ir mais longe, porque a Lei não permite. Podemos dizer que o Brasil tem Leis, mas a injúria racial continua a acontecer, claro, mas não havendo a lei pior era. O nosso quadro legal contra a Discriminação Racial é mau, mas antes não havia nada, logo: temos atualmente um regime que tem que ser melhorado com urgência”.